domingo, 27 de novembro de 2016

Do que diz respeito a cigarros

Aposentei a pena para tornar-me aos cigarros. Trago-os com gula, com gana; sôfrego em consumi-los um a um; ansioso em expirá-los e inspirá-los. Cheiram a conforto. Não peço que o leitor compreenda quando nem mesmo este escriba o faz; apenas fumo os cigarros e aceito os fatos. Logo que acordo, acendo o primeiro, sirvo-me de algo que beber, e vejo o movimento matinal das ruas. Penso, e repenso, para pensar novamente. Tão logo chego ao trabalho, sirvo-me de chá ou de café, torno a acender um cigarro e escondo-me de qualquer um que possa me interromper, semelhante a um cão que se alimenta e não permite que alguém se aproxime.

Como não cessam os pensamentos, e demoram a cessar os cigarros, permito-me acender mais dois antes de sair para almoçar. Sempre torcendo para que não me atrapalhem, para que os pensamentos não me escorram pelos dedos, não percam seu encanto. Sou fascinado por esses filmes, essas fotografias, que, tal como o bom cinema, me torturam, me alegram e me entristecem. Nada mais preciso que cigarros, algo que beber e algo que pensar.

No caminho para o almoço, fumo outro cigarro. Este é amargo, sob o calor do sol, quase religioso, automático. Ocorre que me encontro num impasse, sob o jugo de perder ou perder, e me recuso a aceitar. Não há o que possa lhe dizer que vá me alegrar, sobre o que eu possa pensar quando do último cigarro madrugada adentro. Não há perdão, nem sequer justiça; só há um silêncio que se amplia perenemente e que grita dentro da minha mente. São muitos cigarros. Permito-me levar à boca outro no retorno ao trabalho e quantos mais forem necessários até o fim do expediente. Acompanhados de água, de suco, de leite, desacompanhados. Quando me encontro desenfadado, o que não raro o estou, penso em marcar a pele com a brasa do cujo. Conseguiria resistir ao calor? A dor gritaria mais alto que este silêncio?

Tornei-me aos cigarros porque, impossibilitado de perder ou perder e não desejando o desfecho que não planejei, só me resta sentir. Aflorar minhas mágoas, minhas raivas, minhas saudades, meus êxtases. Permitir que transbordem e afundem para exalá-los como fumaça, a máxima lembrança de algo que já não o é mais. Os cigarros me entendem, eles me saciam. Às escondidas, fumo alguns cigarros de noite e guardo a preferência para o derradeiro, ritualístico. Já não há frescor, somente significado. E quando nem os próprios cigarros, ah! meus desejados!, me bastam, torno à escrita.

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