sábado, 30 de maio de 2015

Adeus sem palavras

Dois homens sentaram-se num banco. Caía uma fina chuva sobre a cidade e o sol que nascia por detrás das nuvens pintava de rosa o céu nublado. Carregavam consigo malas, pois era uma despedida. Um deles, barbado, carregava dois copos de café para beberem enquanto esperavam o primeiro trem partir. Não conversavam entre si.

Como praxe, o homem barbado acendeu um cigarro. O outro não fazia questão de fumar; não ali. E passaram-se longos minutos. Era palpável a tensão entre ambos, como poeira presente no ar. O segundo homem, moreno, continuava a beber seu café de modo solene. Ignorava a presença do outro e só pegou o café quando o viu sobre o banco.

   Que horas o trem parte? — perguntou o barbado. Não houve resposta.

Abaixou-se e fuçou a bagagem. No bolso externo da mala, encontrou a passagem. Na verdade, sabia perfeitamente o horário da partida, mas o silêncio o angustiava. Ele não irá falar. Era perceptível em seu olhar, escuro e opaco, a relutância àquele momento. Preferia ter vindo sozinho, sem dizer adeus. Já bastava, contudo, que fosse uma despedida abrupta.

Era madrugada e chovia. Não conseguia dormir e, portanto, foi para a sala fumar. Encontrou um vinho suave barato, completou uma taça e abriu as grandes janelas do lugar. As cortinas esvoaçaram. O outro dormia tranquilo no quarto, as malas já prontas. Ele ainda remoía a conversa do jantar.

   Estou de partida — anunciou enquanto comiam spaguetti e almôndegas — Amanhã, de manhã.

Não houve resposta. Sentiu-se humilhado e raivoso. Parou por uns instantes, a cabeça inclinada para frente. Quando falou, sua voz não era mais do que uma fraca rouquidão.

   Quando você decidiu ir embora?
   Agora — mentiu — Não há mais sentido continuarmos a viver assim, você sabe.
   Assim, abruptamente?
   Sim.

Quando deu conta de si, a chuva molhava o piso da sala, carregada pelo vento. Ficou de frente para a janela, molhando o rosto com os pingos gelados. Tocavam sua pele, eriçando os pelos como as palavras que havia ouvido. Fechou a janela após derramar o que restava do vinho por ela. Apagou o cigarro num cinzeiro. Deitou-se no sofá. E chorou. De raiva. De tristeza. De amargura.

   Acho melhor ir — disse, finalizando o cigarro. O outro assentiu com a cabeça. — Dê-me um abraço de despedida.

Não houve resposta. Fitou-o quieto, levantou-se e seguiu seu caminho.  Por um instante, pelo canto dos olhos, vislumbrou um movimento, entretanto, não se deteve e continuou caminhando em direção a saída. A chuva caía forte e o céu estava rancoroso. Atravessou a ruela do estacionamento correndo e entrou em seu carro. Estava frio, muito frio. Acendeu um cigarro e observou-o dali, a poucos metros atrás da enorme parede de vidro. Continuava intransigente, sentado ereto. Besteira, não havia se movido. E então reparou em algo sobre o painel. Um papel dobrado.

Segurou-o em sua mão trêmula. Segurou-o por um longo tempo, fitando-o com seu olhar afiado. Segurou-o em dúvida. Hesitou. Por fim suspirou. Estava cansado e inclinou a cabeça. Era seu momento solene, sua despedida, a despedida que o outro lhe havia declinado. Abriu a janela, amassou o papel e jogou-o fora.

   Adeus.

Ligou o carro e partiu. Não olhou para o lado nem pelo retrovisor. Longo é o caminho para casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário